segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Contramão


Isso não poderia estar acontecendo. Meu psicólogo me disse pra respirar fundo nessas situações e manter a calma. Inventei um sistema em minha cabeça para essas ocasiões, então começo a imaginar o lindo pôr do sol e as cores que ficam as nuvens. Mas hoje a única cor de nuvem que havia em minha mente era cinza.
O quê, sinceramente, leva a uma pessoa a correr em uma pista molhada? Será que é tão difícil de saber no que isso irá resultar? O dia já havia amanhecido bem: perdi a hora, meu cabelo estava horrendo, meu celular inventou de descarregar, queimei as torradas e agora isso. Uma bela de uma batida no meu pára-choque traseiro. Eu tive vontade de descer do carro e arrancar pedaço da garganta daquele ser infeliz que estava tornando meu dia ainda mais estressante. Segurei tão forte o volante que só quando soltei percebi que minhas mãos doíam. E só soltei por causa do barulho de alguém batendo na minha janela. Lá estava aquele sujeito sem consideração alguma pelo próximo, na chuva e com uma cara de preocupado. Era melhor ele estar preocupado mesmo, pois minha paciência havia se perdido entre a tentativa de arrumar meu cabelo e as torradas queimadas.
Com a maior falta de paciência do mundo eu abri a porta junto com o guarda-chuva que estava ao meu lado. Mas que saco, podia muito bem estar caindo apenas uma garoinha, ao invés desse toró. Eu apenas precisava me lembrar de respirar. Inala, exala. Inala, exala. Inala, exa… puta merda! Consegui me conter e não olhei para aquele sujeito, porque se eu olhasse ele morreria só de ver meu rosto enfurecido. Meu pára-choque estava destruído! Como meu deus, como?! O que o senhor me deu de raiva esqueceu de dar de inteligência a outros.
- Me desculpe, eu me distraí e… Foi sem querer - Mas é claro que foi sem querer! Quem em são consciência bate no carro da frente? ‘Ah, bati no seu carro por querer. Toma aqui o dinheiro pra você consertá-lo.’
- Meu pai, dai-me paciência - sussurrei.
- O que?
- Nada!-gritei - Eu estou sem muita paciência hoje, então por favor, apenas me dê seu número de telefone que depois resolvo isso.
Certo, eu devo ter assustado o homem com aquele grito histérico, mas eu não ligava. Ele me tirou do sério ao bater no meu carro. Droga, além de acordar tarde agora terei isso pra me atrasar mais ainda. Inala, exala. Inala, exala. Inala, exala.
- A propósito, meu nome é Ruan.
- Laura, nenhum prazer em te conhecer.
- Seu lábio está sangrando - a expressão dele de culpa mudou drasticamente para raiva.
- Ah, obrigada. Além de um pára-choque amassado agora tenho um lábio cortado e inchado. Obrigada novamente.
Juro que se ficasse ali eu arrancaria o fígado dele com as unhas e o comeria cru. Inalar e exalar Laura. Inalar e exalar. Acho que devia estar louca ao dar meu número de telefone para aquele sujeito. Mas eu queria um novo pára-choque, ah sim, eu queria.
Cheguei ao trabalho e não durei nem meros trinta minutos. Maldito escritório publicitário que me faz ficar virando a cabeça. Maldita batida que me jogou com força para frente me deixando com uma terrível dor no pescoço. Maldito Ruan que inventou de bater no meu carro. Maldito dia! Saí com mais raiva do que quando havia chegado e fui direto ao hospital. Odeio hospital. Odeio ver aquelas pessoas com cara de mortas, agonizando, chorando. Inala, exala. Eu deveria agradecer pelo plano de saúde que tenho, que me fornece rápido atendimento. Planos de saúde deveriam oferecer também uma dose de paciência, por que meu estoque se esvaziava num piscar de olhos.
-Então Sra. Weber, qual a queixa?
- Estou com uma terrível dor no pescoço - Comecei a relembrar da batida. Poderia passar o resto do meu dia xingando aquele imbecil mentalmente.
- Pode ser apenas torcicolo. - E então o médico virou-se para mim. Não podia ser! Acho que ninguém nunca viveu um dia tão azarento quanto eu. Lá estava ele, o tal do Ruan. Agora eu podia xinga-lo pessoalmente!
- Não acredito! O que você está fazendo aqui? Isso foi sua culpa, sabia?
- Epa epa, calma aí! Se não percebeu sou médico. E não foi minha culpa, já que você parou do nada no meio da pista!
- Foi sua culpa. Se não estivesse correndo não teria batido no meu carro!
- A pista estava molhada. E já disse que foi você quem parou sem mais nem menos.
- Parei porque você bateu em mim! - Como alguém pode inalar e exalar normalmente nessa situação?! Eu poderia perfeitamente voar no pescoço daquele filho da puta e arranca-lhe os olhos. - Pra mim chega, acho que se eu estiver em casa tudo isso melhora. Adeus.
- Aonde a senhorita pensa que vai?
- C-A-S-A. - Ele segurou meu pulso. Você pode me achar uma maluca, lunática e explosiva, mas as pessoas imploram por isso!
- Vamos tratar dessa dor. Sente-se, por favor. Te devo isso.
- E um novo pára-choque.
- Certo, e um novo pára-choque. Agora sente-se.
Eu deixei que ele examinasse meu pescoço. Puta ponto fraco. Ao seu primeiro toque eu arrepiei toda, mas também senti dor. Ruan colocou ambas as mão em meus ombros e fez uma pequena massagem com um líquido gelado e viscoso. Ok, isso estava estranho, mas fazia a dor passar. E pela primeira vez no dia eu relaxei. A vontade de arrancar o fígado dele passou, junto com a dor.
- Obrigada. Obrigada mesmo.
- Vou lhe indicar uns medicamentos pra que isso melhore. Você deve comprar um relaxante muscular e um anti-inflamatório.
E pela primeira vez eu reparei na fisionomia de Ruan. Cabelos castanhos, olhos de mesma cor, pele levemente bronzeada e um lindo lábio. Deveria ter ficado algum tempo admirando a bela linha que seus lábios faziam. E se pudesse eu até o convidaria para jantar, mas creio que a nossa situação não era uma das melhores - até porque eu fui uma estúpida e grossa, como sempre.
- Não pensei que esqueci da batida. Quero meu carro inteiro.

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